De Bruxelas veio esta semana mais um daqueles relatórios repletos de «Verdades de La Palisse» que, mais uma vez, demonstram que as altas instâncias europeias não se entendem e andam sempre a contradizer-se umas às outras. Diz então um relatório técnico do Comité de Política Social da União Europeia que falta mais apoio social em Portugal, ou, em palavras mais pomposas, que é “preciso continuar a garantir que as reformas estruturais conduzem a uma cobertura adequada da assistência social, incluindo o rendimento mínimo”.
Pelos vistos foram precisos não sei quantos meses para um grupo de especialistas pagos a peso de ouro constatarem algo que nós, portugueses simplórios, assistimos todos os dias à nossa volta. Basta sair à rua e ver a fome e doença espelhadas no rosto e corpo de milhares de homens e mulheres; ver idosos abandonados na solidão das suas casas, porque os filhos não têm dinheiro para pagar as suas contas, quanto mais para colocar os pais num lar; ver as crianças levarem para casa os lanches que deviam comer nas cantinas das escolas, porque sabem que o jantar vai ser escasso; ver homens e mulheres perderem as casas para os bancos e terem que voltar a viver com os pais; ver as instituições sociais de solidariedade social, as misericórdias e outras entidades com as despensas vazias e sem meios para ajudar todos aqueles que lhes pedem socorro; e por aí adiante…
A brilhante conclusão dos tais especialistas é justificada pelo crescente número de desempregados existente em Portugal – se bem que o governo teime em avançar com dados estatísticos para o contrariar – e que esta triste realidade é o resultado das medidas de austeridade aplicadas nos últimos anos sob a mão pesada da troika. Ora, isso nós, simples cidadãos, já percebemos há muito tempo e também já diversos responsáveis europeus admitiram que, se calhar, exigiram demasiada austeridade aos países em maiores dificuldades, entre eles Portugal. Mas bastou os nossos governantes aumentarem o salário mínimo nacional nus míseros 20 euros e começarem a repor os cortes nos vencimentos da função pública e nas reformas, porque as eleições legislativas estão quase aí, para a troika mostrar sinais de descontentamento e preocupação, não vá Portugal deixar de pagar o dinheiro que lhes deve.
Mas o mesmo relatório que, por um lado, reconhece que uma boa parte dos desempregados não tem qualquer cobertura de apoio, por outro, elogia o desempenho português, nomeadamente em relação às mudanças operadas no campo da saúde e nas pensões de reforma. Ou seja, está preocupado que as pessoas não tenham apoio social, mas aprova a redução nas pensões dos velhotes e os cortes cegos e disparatados na Saúde. Aliás, o Ministro da Saúde já manifestou esta semana a intenção de aumentar em mais 600 o número de utentes por cada médico de família. Quer dizer, nós já esperamos semanas ou meses por uma consulta no Serviço Nacional de Saúde, mas parece que a solução não é contratar mais médicos, mas sim sobrecarregar ainda mais os existentes.
E como se não bastassem tantas conclusões fantásticas, o relatório de Bruxelas avisa ainda que é preciso ter mais portugueses a trabalhar, e durante mais anos, caso contrário, o sistema de pensões pode ter os dias contados. Ora, a continuarem as medidas que fazem disparar o desemprego, ao invés do combater, que obrigam os jovens mais qualificados a partir para outros destinos mais risonhos, e que estão a cortar drasticamente os índices de natalidade, porque quase é preciso ser rico para cometer a ousadia de ter filhos, não vejo como isso seja possível. Mas, como eu não sou um desses especialistas pagos a peso de ouro, se calhar está a falhar-me qualquer coisa. A mim e a mais 99,9 por cento dos portugueses, digo eu…
Daniel Pina